O incendiário florestal
Portugal sofre nestes dias por
culpa dos incêndios, pelos seus trágicos efeitos, a forma como os prevenimos,
combatemos e como os responsáveis políticos lidam com o assunto. Há que dizer
algo de uma forma clara e objectiva: a piromania é uma perturbação rara e muito
difícil de diagnosticar, não tem uma frequência observável e as motivações
podem ser inúmeras, pelo que a ideia de que as autoridades têm uma lista de
presumíveis incendiários é totalmente falsa, mas têm algumas pessoas
identificadas com antecedentes ou suspeitas, e apoiam-se nos dados que resultaram num perfil amplamente
divulgado na comunicação social após os acontecimentos deste verão em Pedrogão,
onde se podia ler em letras gordas: “Solteiro, desempregado, perturbado e
iletrado.” Assim ficou classificado para o público em geral o perfil do
incendiário florestal, mas será que o retrato do país real e do nosso interior é assim
tão diferente? Será um território onde abunda o emprego, as oportunidades e o
acesso ao ensino? E o ponto que quero focar, o acesso à saúde? Já lá iremos.
Há outra questão que se põe neste trabalho
coordenado pela minha caríssima professora Cristina Soeiro, responsável pelo
Gabinete de Psicologia da Polícia Judiciária e que estuda este tema há mais de 20
anos e reúne dados de 425 arguidos de 1995 a 2013, pois muita coisa mudou
no país desde 1995, e também na forma como as nossas forças policiais trabalham,
e ainda bem, o resultado disso é que já foram detidas só este ano mais de 90
pessoas segundo o que tem sido veiculado nos meios de comunicação. A maioria
destas pessoas que fizeram parte deste estudo, e que contribuem para este
perfil são detidas porque são as que cometem estes crimes de forma impulsiva, rudimentar
sem grande planeamento, deixando um rasto de destruição que se torna possível
rastrear, e é sobre estas que me foco, pois são as que, enquanto profissional de
saúde, se podem e devem trabalhar numa lógica de prevenção.
Existe algo comum a todas as
pessoas que se vêm envolvidas neste tipo de crime, têm uma predisposição
incontrolável de estar perto do fogo, algumas delas conseguem canaliza-la de
uma forma saudável e positiva, trabalhando em várias áreas onde lidam com este
elemento, algumas delas até fazem parte de corporações de bombeiros, mas há
outras que não o conseguem, que não têm condições para isso e problemas de
saúde mental associados, e como indica o estudo, mais de metade tem problemas
de saúde mental e estavam sob o efeito de álcool. Com o fecho de três hospitais
psiquiátricos, dois deles no centro do país, em Soure e Penacova, a verba que
este corte permitiu poupar poderia e deveria ser canalizada para um
investimento numa rede de cuidados integrados de saúde mental, mas tal não se
verificou, dificultando ainda mais o acesso a cuidados especializados no interior
do país, que tem a única resposta em Coimbra.
Haverá com certeza muitos olhares
e perspectivas e reflexões sobre o que manifestamente correu mal no ordenamento
do território, no combate aos incêndios e a acção dos serviços de protecção
civil, questões que põem a nu muitas debilidades do nosso país e que conduziram
a este trágico desfecho, mas por outro lado perceber que a taxa de reincidência
neste tipo de crime está identificada e é de cerca de 20% torna evidente que há
trabalho a fazer nesta área e não podemos pedir às forças policiais para substituírem
o papel que a saúde tem de ter no acesso aos cuidados integrados de saúde mental
que complementam a reinserção social.
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